Artigo : Acesse Dança Contemporânea - Jussara Xavier
Publicado na Revista Ô Catarina – 2007
A democratização do acesso à dança é fundamental para a profissionalização e o reconhecimento desta arte no Brasil. Ao contrário do que se pode pensar, a palavra acesso não se restringe ao plano econômico, ou seja, vai além da possibilidade financeira de produção ou consumo de arte. Diz respeito também à capacidade de apropriação do conhecimento, à aptidão para tornar próprio um conteúdo, tirar proveito de uma informação a ponto de conseguir recriá-la, transformá-la. Neste texto proponho reflexões sobre as oportunidades de acesso à dança em Santa Catarina, de modo especial por parte do público, e ressalto a importância do investimento em formação de platéia para o desenvolvimento da dança contemporânea catarinense.
Os poucos artistas, grupos e companhias de dança contemporânea que se arriscam na realização de apresentações independentes pelo Estado costumam se deparar com as platéias dos teatros praticamente vazias. As explicações mais evidentes indicam que o problema decorre de uma divulgação mal feita; da falta de tempo, disponibilidade, dinheiro para compra de ingressos e da preferência extremada do público catarinense por nomes consagrados na mídia como, por exemplo, a Cia. de Dança Déborah Colker. A resposta, dependendo do caso, pode ser uma destas hipóteses ou a combinação de todas elas. Mas existem outras possíveis, como a falta de familiaridade com a dança contemporânea e a má qualidade dos espetáculos, que servem para afastar o público. Para os profissionais da área, uma questão central é como atrair e educar a população para o contato com propostas contemporâneas de dança.
Algumas observações e interrogações vêm à tona. A dificuldade de formação de platéia é visível em Santa Catarina e articula-se a outros fatores importantes para a sobrevivência da dança contemporânea. Se por um lado alguns festivais, mostras e eventos catarinenses conseguem aglutinar um bom número de assistentes, por outro, principalmente artistas e grupos locais sofrem com a pequena quantidade de público em seus espetáculos. Hoje Santa Catarina tem cerca de 30 teatros, um número razoável quando relacionado à produção de dança local existente. Devemos, no entanto, considerar que nem todos são adequados e qualificados para a área e ainda, que a mera existência de espaço não é propriamente um impulso à criação de dança. Os altos custos de locação dos teatros e equipamentos colaboram para inibir a produção e a circulação de espetáculos dentro do próprio Estado.
A ocupação dos teatros é assunto a entrar em pauta. Afinal, como grupos e companhias sobrevivem num local onde não existem temporadas de dança, o acesso aos palcos é dificultado e o público é limitado? Por que não estabelecer um calendário de ocupação dos teatros públicos para a dança local? Por que não implantar e estimular um programa contínuo de espetáculos de qualidade para que a dança contemporânea conquiste seu segmento de público? Será que o público, tantas vezes considerado a razão de ser do artista, não está sendo jogado para segundo plano? Se a dança se realiza em sua relação com a platéia, por que são poucos os grupos e artistas que estruturam projetos voltados ao diálogo efetivo com o público? Será que o mesmo financiamento público que colabora para dar forma às idéias de dança pode, de modo perverso, tornar o artista descompromissado com a conquista de platéia? Pois quando o pagamento das despesas de produção e exibição está garantido via patrocínio incentivado, pode ocorrer que o grupo ou artista proponente não se preocupe com o alcance de público, já que não há necessidade alguma de pagantes. Afinal, que papel as bilheterias têm para prover sustentabilidade aos grupos e companhias?
É verdade que a não-cobrança de ingressos em um espetáculo facilita o acesso do público a ele; no entanto, não garante sua presença. E também não assegura sua formação. Quais estratégias podem contribuir para ampliar e educar novas platéias para a dança contemporânea? Um caminho possível é a criação de programas voltados especialmente para crianças e adolescentes. Ações que poderiam ocorrer facilmente por meio de parcerias entre artistas, universidades, escolas, órgãos públicos e a iniciativa privada. Mesmo que as ideias não cheguem a ser inovadoras, têm potencial de sucesso. Grupos e companhias de dança contemporânea poderiam ofertar oficinas, ensaios gerais ou espetáculos didáticos para estudantes. Escolas públicas ou particulares poderiam preparar seus alunos para a ação em encontros prévios com seus professores. Neste caso, o professor da instituição deveria participar antecipadamente de aula ou programa especial sobre dança contemporânea. Enfim, seria essencial discutir e aprofundar as atividades pedagógicas a serem implementadas no projeto entre os seus promotores. O foco seria o de ajudar os participantes – crianças e jovens - , a apreciar a dança contemporânea, proporcionar a interação destes com as obras apresentadas, estimular a compreensão artística.
Além disto, destacam-se as possibilidades de fortalecer o hábito de freqüentar o teatro e salas de espetáculo, de formar um público participativo e estimular o pensamento crítico e questionador.
Fundamentais são os projetos que convidam à realização de debates e trocas de idéias, ao diálogo crítico entre realizadores e público-alvo e, assim, colaboram para enriquecer e fundamentar a recepção de espetáculos. A promoção do acesso intelectual liga-se a uma maior valorização da dança contemporânea e à discussão de sua importância na sociedade. Afinal dança é conhecimento, explora a capacidade humana de imaginar, possibilita ao homem uma relação criativa com o mundo e suas informações. O acesso à dança contemporânea não equivale somente a uma questão quantitativa, a um aumento no número de pessoas nas platéias. Está relacionado de modo substancial à qualidade, como disse Renato Janine Ribeiro:”significa mais pessoas terem uma experiência intensa de ampliação de perspectivas pelo contato com o que é diferente”. A qualidade que amplia os horizontes de uma experiência e ensaia outros modos de ser.
• Jussara Xavier é catarinense, bailarina, produtora e pesquisadora de dança – publicado na revista Ô Catarina/ Fundação Catarinense de Cultura em 2007.
“Quem dança não é aquele que levanta poeira. Quem
dança é aquele que inventa seu próprio chão. “
(Provérbio Moçambicano)
Postado por Mayana Marengo dia 22/07/2010
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